IV
Sobre a cama,
silêncio. Tudo está quieto.
O vento lá
fora acalmou. Ouvimos a história de Circe, os mortos
insepultos, o
largo voo das abelhas à tarde, após as chuvas.
O seu zumbido
é vasto como a memória das coisas,
traz as
cidades e os lugares, os nomes e os caminhos.
Nairobi, Masai
Mara, Benson, o motorista que cria
em deus mas só
respeitava os leões.
Lembras-te
dele?, perguntávamos. Lembras-te?
Mas de quem
nos lembramos, afinal? De quem nos podemos lembrar?
De quem é ou
de quem foi?
De quem fomos
como outrora fomos e já não somos?
Dos locais, do
mundo, desses passos que já esquecemos?
Tóquio? A
sagrada cor do momuji? Esse alto Tajo em Ronda,
o silêncio das
procissões à voz sacra das saetas?
Como o vento
deslizaram
os nossos dias
por essa espiral
onde houve
novembros e primaveras. Estão em quietude os
campos, onde a
terra molhada rescende. O zumbido sobe,
lento,
sacudido, arrastado, quase confundido
no penoso
respirar do comboio, um zumbido
grosso, de
abelhas livres, zumbido que permanece
como o fumo,
como o vário grito do metal nos trilhos,
como o fumo, o
fumo, o fumo. São palmeiras,
ou aves
longínquas e néons de gelo?
Mercedes e
José Luís ensinaram-nos os caminhos
de El Teide, a
paisagem lunar na tarde branca.
Longíquo, o
fumo assinala o pico, o cimo,
o fumo, sempre
o fumo a transfundir-se
nos sonhos,
nos sons do metal, a casa de José Txo
na praia
solitária, o pôr do sol magnífico sobre o mar,
o fumo, o
gelo, o fumo...
*
Há outra neve
feita de areia e sol por todas essas praias
de Tel Aviv,
onde o crespúsculo é morno e o mar é quente.
A longa linha
de hotéis debruça-se sobre os pequenos molhes,
sobre as ondas
que minúsculamente vão e vêm, perfeitamente.
Mediterrâneo,
velho bucaneiro que foste nosso berço
e do mundo,
palco azul onde decorrem as nuvens
e as
dinastias, e as nossas vozes já vazias de todo o sentido.
Meu velho
pirata, que tiveste as ânforas e os navios
e enrolaste os
náufragos de encontro às praias, que visitaste
as dunas e
delas ouviste os cânticos do levante.
Ó velho marinheiro, que ensinas o silêncio às ilhas, e as
rotas a orfeu,
contigo eis-nos rumo ao infinito,
velas altas,
cheias, içadas ao largo como bandeiras,
singrando os
dias, nós fantasmas de nós mesmos,
nós os nossos
corpos, nós os descendentes de Odisseu,
nós os ténues
filhos de Afrodite, nós as nossas almas vazias,
nós que Pala
Atenas celebra, nós os antigos argonautas
que as tuas
àguas embalaram, nós os ventos
nós as cordas
e as âncoras e as civilizações
mortas e eis
que contigo vamos,
sobre ti como
deuses determinados -- e que nos importa
já saber que o
mar tem fim se em ti, olhando,
não alcançamos
mais que toda a imensidão?
Um ancião
canta a tua história, uma lira toca,
a voz do vento
tange as casas e as colinas altas.
A tua carne é
de sol e de oliveiras
docemente
entretecidas nos primeiros vinhos,
docemente,
como Penélope, na meiga escuridade
bordando e
desbordando as horas e os silêncios.
É essa a tua
carne, de àguas e de sereias,
velho gentil
que com Neptuno entregaste nas mãos
do vento as
naus e as antigas luzes.
Nas praias de
Tel Aviv vi-te chegar, meu velho,
em suaves
toadas de espuma, como se foras da noite gémeo,
e vi-te em
Hydra, ainda distante, sob o olhar clássico dos gatos
com o egeu a
confundir-se em ti
fraternas
àguas, fraternos animais, cavalos livres à desfilada.
*
É preciso crer
que vivemos tempos de desordem.
O noticiário
das oito alertou-nos para o assassino
que esquarteja
mulheres por puro prazer e falou-nos da bomba
que
excarnificou trinta pessoas e lhes destruiu
os sonhos e os
ossos -- mas pouca gente quis saber
porque há lá
coisa mais habitual que a morte dos outros?
e porque
também havia algo em boa verdade realmente importante,
casos que
ocupavam todo o
grande momento
do horário nobre, conversas de imbecis,
conversas de
tolos engravatados, discursos de débeis
que os débeis
exalçam, casos em que o mundo
gira derredor
de um tal que dá tantos pontapés numa bola
e o mundo
grita e o mundo uiva e o mundo vibra e o mundo aplaude.
Vivemos na
verdade um tempo desordenado.
Um escritor
não sabe se houve deus -- e está condenado a
morrer
lentamente, vilmente, dessa longa secura que é a espera,
dessa cinzenta
escuridão que há no medo. Em nome de
deus, dizem,
em nome de deus ou do povo, ou em outro nome.
Em nome dele
se mata,
Em todos os
nomes se mata, como de ontem, e vagamente
nos
incomodamos já. Em todos os nomes se mata -- e se
deus se
importa, não se sabe, se deus se importa não se sabe.
*
Sobre a cama
silêncio. Tudo está quieto.
Passou um
carro veloz, lá fora, mas o seu rumor
já pela noite
se perdeu, nessas longínquas avenidas.
O velho porto
de Jaffa! Ó becos e ruelas! Zohar e Offer
passeiam
comigo as antigas ruas, os largos, os lugares.
Ricardo, que
tinhas o coração de leão e o braço dos fortes,
será que ainda
por estas vielas te moves, de peito aberto,
sem medo,
gritando ameaças e canções de guerra?
Será a tua voz
aquela sirene de navio que ao longe se ouviu,
será a tua
voz? Aqueles passos que ressoaram no
lajedo e se
foram, eram teus? Jaffa velha, velho pórtico
dos mundos
onde os bravos vieram cantando desafiar a morte,
ainda em teus
becos velará algum fantasma
o sono dos
seus companheiros?
Em nome de
deus mataram, em nome de deus morreram.
Que deus, ó
deusa, que deus quis assim a morte dos
seus filhos?
Que deus, ó misericordiosos, quer ainda
no seu nome a
morte inscrita?
Ó divinas
misericordiosas entidades! Ó santas figuras,
excelsas
deidades! Ó ninfas, faluas e naus
dos céus,
visões de velas brancas:
que nome é
esse vosso que tanta dor comporta?
Ó velha Jaffa,
será de Saladino a sombra que passou?
V
Uma senhora
presumida escreveu dois versos
e suou muito
para encontrar uma rima.
Satisfeita,
chamou-lhes poesia. Um sujeito de barba de seis
meses arrancou
de si um panfleto em ira contra vizinhos
e conhecidos
-- e também lhe chamou poesia.
Um rapaz cujo
pai tem uma editora redigiu um embrulho épico,
cheio de
divindades mitológicas que se deixavam dormir, com os leitores,
ao serão. O
pai editou-lhe a obra;
e chamou-lhe
poesia, claro.
Vive só uma
velhinha que faz rendas e que faz quadras.
Um tonto exibe
as menções honrosas com que os
demais tolos
lhe distinguiram os versos às centenas.
Vive contente
e quer
que o tratem
por poeta.
Aquele senhor
grave, que foi ministro, decretou-se cansado das
finanças e das
pautas. Pediu que lhe trouxessem papel, muito papel,
três lápis bons
e algumas ideias que tivessem filosofia.
Compôs duas
rimas em três tercetos e ficou exausto: tinha feito
poesia.
Ó Petrarca,
manso adorador da beleza, como no teu caule
se albergam
inexistências tantas!...
À sombra da
memória o comboio segue, por entre a neve.
Sonhos,
ideias, lembranças? Confusão. Fumo, gemidos de metal,
confusão. É
tarde. Faz frio. É Haifa, que da encosta diviso
confundindo o
calor e o gelo? Será aquela neve o mar verde que
cerca a cidade
aos pés das colinas? Roma? As velhas ramblas?
A sóbria
Barcelona, onde as pedras são elegantes,
e as memórias
vívidas?
A sonolência
suspende o tempo, traz de volta os mortos queridos,
as saudades,
abril e março, as antigas tardes em que
havia paz e a
família se sentava junta à mesa para cear.
Naquele natal
de 1981 já não éramos cinco,
já não éramos
cinco à mesa, já não cinco à vida.
Os solavancos
do comboio embalam as recordações,
vamos devagar,
lentamente, quase imóveis como deuses velhos
sobre nós
próprios pairando, como tu, meu velho Ginsberg,
meu pai
espiritual, grã-capitão da poesia que
a morte colheu
já, tornando real essa fotografia
junto ao
túmulo de Kerouac, em
Lowell, Mass.,
outubro de 1969, como tu
completamente
nu, deitado nesse pequeno compartimento
do comboio de Santa Fé, giant train so slowly moved
a man can
touch the wheels, sobre nós pairando
nessa inenarrável melancolia.
Pagas-me uma
cerveja? E penso em nós, nos vivos e nos mortos.
Córdoba, onde
o rumor das àguas canta entre os laranjais?
Palácio
Grande, onde Buda mais iluminado é? Milão sob a chuva?
A minha vida é
simples. Fiz dela um mapa de viagens feitas
e de viagens
por fazer, e vou lembrando os amigos onde
quer que vá,
escrevo, dou notícias, frases curtas, dichotes,
expressões sem
sentido, palavras, desenhos, novidades.
Lembro os que
morreram aos poucos, a rapariguinha que nunca
saberei quem
era e que se suicidou no metropolitano entre
Paddington e
Aldgate, para fugir talvez
de um amor falhado,
de uma trágica
paixão, de uma virtude, de um segredo,
para fugir
talvez de si, e penso em Camilo morto para que a velhice o
não derrotasse
e em Mayakovsky que como disseste
se suicidou
para evitar a Rússia, e Antero que também se
suicidou para
evitar Portugal e esse altivo imortal cego,
tão veloz e
sábio como os anjos, que se suicidou com palavras
geniais no dia
em que escreveu que havia uma linha de
Verlaine que
não mais recordaria e havia uma rua próxima
vedada aos
seus passos e havia um espelho que o viu pela
última vez e
havia uma porta que fechara até ao fim do
mundo. Como a
ele, a morte incessantemente
vai-nos
desgastando. E há um silêncio que pesa e que oprime,
e um cheiro a
neve e a penumbra
e há frio, e
há fumo, e há gritos de metal e o sono
entretecido em
cada palavra, em cada gesto.
Que caiam
sobre ti as pétalas e sobre nós a noite.
Aqui perto, o
cimo toca os céus -- e persiste o frio.
VI
Nous naviguons, ô mes
divers amis, navegamos
neste espiral de ventos e marés, navegamos
como Mallarmé
saudando os seus e como Ulisses
perdido entre
ilhas, a nossa ítaca distante,
inacessível,
navegamos em cada hora perdida, em
cada esquina
onde o tempo espera por
nós e nos
rouba aqueles que mais queremos, os maiores, os mais
queridos, os
melhores de nós, os que eram de todo luminosos,
àgeis,
voláteis como anjos, tão sensatos, tão puros, tão gentis.
Na verdade
fomos como fomos
e já não
somos. O sonho foi célere como a cor dos dias.
Que é do verão
de outro tempo? Fiz da minha vida uma
rota
incessante de cidades e pessoas -- e na memória as
as cultivo e
adoro, Berlim, Veneza, os amigos que ficaram, os que partiram,
Coimbra,
Sevilha, a minha doce Sevilha, cujas ruas passeei
sob essa
felicidade leve que há no ar andaluz, Sevilha
cujas noites
tive por praças e margens, Sevilha magnífica
que tem o
rosto de Maria Paz, o seu sorriso doce e adorável,
Gomecello,
onde escrevi esse poema de que gosto tanto pensando em Cristina
que me
esperava lá longe, em Lisboa, Bolonha, Paris,
a pequenina
Mujácar onde sonhámos e fomos livres
e atentos,a
velha Macau,
Londres que tanto em mim ficou,
um barco
dolente nos canais, um barco no porto de Amsterdão,
Colónia, essa misteriosa e encantadora
Jerusalém.
Do cimo do
Monte das Oliveiras, vendo o pôr do sol:
Zohar
explica-me as casas, os sinais do vento, a história das
pedras, o
remoto nome das coisas. O crepúsculo cai. Pela porta
de Jaffa um
vulto passa, anónimo, misterioso, a caminho da
noite. É só um
vulto, nada mais que um vulto, que segue
os seus
próprios passos nesse desconhecido rumo que as muralhas
altas
assinalam -- e na cinza dos tempos ficará para sempre
ali eterno,
perpétuo, desafiando o repouso e o movimento,
sempre um
vulto, nada mais que um vulto que os deuses
no seu solene
critério celebram e vigiam, a pacata Longholmen,
Glasgow sob um céu pesado de nuvens, de mão
dada
com Cristina
vou suavemente deslizando as ruas, vendo os
largos, as
igrejas, as grandes montras no bulício da tarde.
No rio alguém
desapareceu, lançando-se de uma das pontes.
Os polícias
buscam o corpo, dragam as àguas, percorrem as
margens.
Também tu, desconhecido suicida, também tu
quiseste
usufruir dessa última liberdade -- e nesse voo inábil de
pássaro
ferido, nesse momento que ficou suspenso entre rio e céu,
procuraste a
morte para evitar algo que só tu poderias decifrar.
Não esperaste
pelo desígnio dos tempos, não
esperaste pela
vontade que aos deuses
se atribuiu,
não quiseste que a morte, como a nós todos,
incessantemente
te fosse desgastando. Que as àguas, se
assim o
queres, se fechem só em ti e nelas se te recolha
e guarde o
corpo! E houve Akko, Madrid,
a babilónica
Hong-Kong que os aviões atordoam,
os navios
demandam e as montanhas velam, Atenas e as ilhas,
a branca
Moguer onde te vi e ao teu Platero, meu
velho poeta,
por sobre essa bruma indefenível que há
na tarde
quente de Espanha, como um só, centauro
fantástico que
na distância se vai em vago passo,
por toda essa
Rua de S. José
que o mau
vento negro cruzou -- e também eu
ouço esse
Curros, mais pai do que poeta,
perguntando à
borboleta de Galiza pelo seu filhinho morto,
volvoreta
d'alinãs doradas..., e por esse céu
onde Platero
trota para toda a Eternidade,
Vigo, a noite
fria em Lubeck, junto aos sem abrigo,
o café quente,
a cerveja, todas essas vozes e palavras que
são calor e
conforto entre o silencioso e vasto vulto
dos comboios,
Toledo à tarde quando o sol descansava
nos telhados,
Assuão, as àguas
altas,
Interlaken e todas já na lembrança se me
confundem em
ruas e datas, em pessoas que correm à
pressa
avenidas e pontes, em sonolentos barcos, New Haven,
Dieppe, o cais
onde o mar repousa adormecido de ventos,
Urs e
Antoinette,
o Rio, em
demorados aeroportos, estradas e casas,
Dublin
buliçosa tão apressadamente percorrida, a
verde e suave
Edimburgo. Quantas portas, quantos degraus!
Na Royal Mile,
num desses obscuros becos por onde espreitam
casas e
àrvores até aos Princess Garden: é noite, e
festivamente
trocamos canções e cervejas. Dentro de
um ano
voltarei, dizia-lhes, espero encontrar-vos de novo,
dizia, e as
luzes tropegamente iluminavam os recantos
das ruas, o
Jolly Judge, as passagens sob as pontes, os páteos e as estátuas
que guardavam
esse grande mistério que há no silêncio.
Edimburgo em
cujas colinas passeei, cansado e feliz,
pedalando a
minha bicicleta,
vendo os
turistas apressados, os festejos, o ruidoso
movimento.
Frederick Edwin Church, que essas tuas
perpétuas
àguas continuem a correr para sempre! Que
nesse imóvel
estranho gesto em que sobre nós se precipitam,
haja ainda o
ligeiro som de um arco-irís a visitar-nos
a memória. E
Geneve, e Tuy, e esse calor inexcedível
em Kata, esse
pôr do sol imenso e súbito no Lago Nakuru?
Onde estão? Em
que estranhos salões do tempo se perderam?
Em que colinas
distantes se deixaram de nós, que de repente
olhamos para trás e não os vemos? Granada e as procissões
e os poemas e o meu gin que
a lua celebrou?
Vicenza, tão
serena e clássica. Ditza e João Miguel
abrigando-se
da chuva sob uma sombrinha amarela, a casa dos vinhos,
um ligeiro
rumor cinza de fim de inverno
e o reflexo
das luzes na calçada.
Nous
naviguons, ô mes divers amis!
VII
Pireu antigo e
doce onde o vento corre.
Vê como as
tuas velas já sobre o mar se prolongam
quais
memórias. E delas nada mais sabemos, ou que
destino têm,
que destino tiveram, em que rumos
se deixaram
vogar perdendo os dias. Porque me lembro
de ti, agora
que vou em lenta sonolência, ouvindo
esta canção
monocórdica, este cântico hipnótico que
o comboio
compõe nos trilhos? O espírito alcança
a vastíssima
dimensão da luz, tudo é cor e o branco
abrange os
olhos pesados da memória.
Onde estou?
Uma estação. Paderborn? Aí
procurei
Danielle, filha de um sírio. Conhecera-a
uns meses
antes. Era inteligente, arguta, simpática.
A sua pele era
de uma tonalidade encantadora, a que
a luz da
fogueira dava mais encanto. Waeverly?
Dortmund?
Recordo Dagmar. Passam mulheres protegidas do frio,
em grossos
abafos de lã. O vento é cortante, a
chuva
miudinha, quase despercebida. O inverno deixou em
todos nós a
sua marca. Salamanca?
Que terras são
estas, que destinos, que tão por entre
os carris
confluem misteriosamente? Poucos são os
segredos que a
alma verdadeiramente guarda, poucos
são já os
mistérios, nenhumas as fronteiras. Toda a terra
se reduz a um
longo caminho de ferro, a um vasto
destino que as
locomotivas procuram na escuridão, a uma
rota que os
trilhos marcam, inexoráveis. O olhar perde-se
no horizonte.
O sono é mais forte, a noite vence-nos.
Quem velará
por nós quando a escuridão ensombrar
as planícies?
Plaza de Catalunya? A cada solavanco
um
sobressalto, um nome que acode, uma memória, uma
incerteza
breve. Os fantasmas têm rosto e estão sentados
junto a nós,
gentis, suaves, lhanos, atentos ao nosso
sono.
Velar-nos-ão, eles, quando a noite pousar em nós o seu punho frio?
Wood Green? Vê
como vão os cavalos, essas
ágeis
palmeiras tocadas pelo vento, as suas crinas,
os seus longos
meses, o horizonte em que cada barco
expõe as
velhas àrvores, o anil cru dos dias, a cinza acre das ruas
-- e como eu,
que as tenho percorrido para evitar Portugal,
me sinto cada
vez mais português!
VIII
Deste vigésimo
terceiro andar, olhando toda a
vastidão do
Central Park. As torres vigiam por entre
o ténue
nevoeiro, e oh God -- como mesmo sem o saber -- I
had forgotten how the Hudson burns in indian autumn.
(há que anos eu já não lia Ferlinghtti...)
Eis a alta
chaminé de um alto arranha céus. Expele um fumo
cinzento,
escuro, as sombras recordam Spirit, esse estranho
mascarado que
se movia na penumbra dos edifícios e dos
becos, vivendo
o crepúsculo nos quarteirões decadentes onde
a luz vagamente
vigia as trevas, e os seres se movem
em infinita
inexactidão. Batman, Clark Kent, onde estão?
Em que
escuridão, em que viela morreram às mãos do sonho
americano? In
God we trust, se deus for -- e decerto é -- americano.
A América
move-se, as cidades movem-se, o sonho move-se,
os heróis
fenecem, as memórias perdem-se. O sonho americano
dorme ao frio
num adro de uma igreja da 57º Rua, vai triste
e vergado no
carrinho cheio de trastes inúteis
que o velho
sem abrigo empurra pelas ruas,
sem destino certo. In God we trust? God dorme ao frio,
como tantos,
sob o portal da Fith Avenue Presbiterian Church.
Deus passou
descalço nas veredas de Central Park,
seguido de
bandos de anjos em patins de linhas
e calções
Nike.
Uma àrvore
confia ao vento os
seus cânticos,
as folhas gemem, as suas velozes crinas
espalham-se
nas sete direcções da terra, um cansado veterano
dorme o
passado embalando-o nos
braços frios
sob um toldo. Uma àrvore
confia ao
vento esse vasto incêndio que o Hudson traz
ao outono indio. Please, man, have you got some spare
change?
*
Descendo toda
a 9 th Avenue: a imensa feira trouxe gente
de toda a
cidade, os judeus cruzam-se com os árabes, e os gregos
gritam gyros,
e há chineses
que por ora
deixaram Chinatown, e negros pesados, e indianos
velhos com
largos turbantes que oscilam ao passo
por sobre
a multidão
compacta. Jambalaya. French toast. Sushi.
Ouço os sons,
a música, os gritos.
Para lá do vidro o olhar alcança essa enorme
mancha escura
que se acomoda no coração da cidade,
os cânticos de
néon sobre a noite aberta por
profundas
veias, táxis que as correm
como aves
loucas, pégaso morto, dedos que apontam o céu,
as sirenes que
são alvos rios, lagos na memória.Union Square?
Um novo
solavanco e o comboio segue congregando os
sons e as figuras. Andreas Eigensatz, o construtor de
violas e essa encantadora noite de
Berna, entre vizinhos,
saboreando o
queijo derretido e os sonhos?
Laurie
Anderson, repetitivamente fazendo
singrar em nós
O Superman?
Há neve,
ainda? Há neve, lá fora?
Ó Nova York
infinita, maçã velha
que os ventos
fustigam! Quando a tempestade de súbito se
abate, as ruas
molhadas proclamam as luzes e as cores, e
os sons; e por
toda a terra se ouve o vasto silêncio da chuva.
Um avião
passa. Será esse deus que Blake ouviu,
esse deus que again speaks in thunder and in fire?
Ou esse anjo azul de Klee, ou um tabernáculo quebrado,
um sétimo selo
desfeito, a voz dos cavaleiros, paraíso
e terra? Ou um
dia chegando ao fim, uma vida que
se acaba, um
ser que finda? Uma vela gasta que treme a derradeira luz?
Um som.
Alguém bateu com a porta na Casa do
Bravo.
Ou será apenas o
comboio, o árduo comboio, o cansado
e paciente
comboio que arrasta os sonhos e as recordações
pela encosta
fria? Ou será apenas esse fumo que ténuamente
veste o
horizonte e aos poucos já se desvanece?
Um velho e os
seus gatos ensinam-nos a alta beleza que há
na paz,
ensinam-nos a amar o silêncio e a voz do vento.
Nas montanhas
de Wengen fomos absolutamente felizes.
1997
Olhão, 2 de Abril -- Nova York, 19 de Maio
IV
En la cama, silencio. Todo está
tranquilo.
El viento en la calle se calmó.
Escuchamos la historia de Circe, los muertos
sin enterrar, el amplio vuelo
de las abejas en la tarde, después de las lluvias.
El zumbido es vasto como la
memoria de las cosas,
trae las ciudades y los
lugares, los nombres y los caminos.
Nairobi, Masai Mara, Benson, el
conductor que crea
en dios pero sólo respetaba a
los leones. ¿ Lo recuerdas?, preguntábamos. ¿Recuerdas?
Pero,
¿ de quién nos recuerdamos, de todos modos? ¿A quién se acuerda?
¿Quién
es o quién ha sido?
¿De
lo que éramos como alguna vez fuimos y no somos más?
¿De
los sitios, el mundo, de estos pasos que
los hemos olvidado?
¿Tokio?
¿El color sagrado de momuji? ¿Ese alto Tajo de Ronda,
el
silencio de las procesiones a la voz sagrada de
la saeta.?
Como
el viento deslizaran
nuestros
días por esta espiral
donde
hube noviembres y primaveras. Están en paz
los
campos, donde la humedad de la tierra asciende. Sube el zumbido
lento,
sacudido, arrastrado, casi confundido
en
la dolorosa respiración del tren, un zumbido
grueso, de abejas libres, zumbido que permanece
como
humo, como el variado grito del metal en
los raíles,
como
el humo, humo, humo. ¿Son palmeras
o
pájaros distantes y neones de hielo?
Mercedes
y José Luís nos enseñaron los caminos
de
El Teide, el paisaje lunar en la tarde blanca.
Longíquo,
humo marca el pico, la cumbre,
el humo, el humo en transfusión
dentro
los sueños, dentro los sonidos de metal,
la casa de José Txo
en
la playa solitaria, la magníficas puesta de sol sobre el mar,
el
humo, el hielo, el humo..
*
Hay otra nieve hecha de arena y el sol en todas
estas playas
de Tel Aviv, donde el crepúsculo es calentito y el
mar caliente.
La larga línea de hoteles se
inclina sobre los pequeños muelles,
sobre las olas que minúsculamente van y vienen,
perfectamente.
Mediterráneo, viejo bucanero que fuiste la cuna y
la del mundo, palco azul donde transcurren las nubes
y las dinastías, y nuestras voces ya vacías de
cualquier sentido.
Mi viejo pirata,
que tenías las ánforas y las naves
y enrollabas los náufragos contra las playas, que
visitaste
las dunas y escuchaste de ellas los cantares del
levante.
O viejo marinero, que enseñas el silencio a las
islas y las rutas a Orpheus,
nos vamos contigo hacia el infinito,
velas altas, llenas, alzadas al
lejos como banderas,
singlando los días, nosotros
fantasmas de nosotros mismos,
nosotros nuestros cuerpos,
nosotros los descendientes de Odiseo,
nosotros los tenues hijos de Afrodita,
nosotros nuestras almas vaciadas,
nosotros que Pala Atena
celebra, nosotros los antiguos argonautas
que tus aguas animarán, nosotros los vientos,
nosotros cuerdas y anclajes y civilizaciones
muertas y he aquí que contigo nos vamos,
sobre ti como se fuésemos dioses
decididos... – ¿y que nos importa
ya saber que el mar es finito
si mirando en ti,
no podemos alcanzar más que
todo la inmensidad?
Un viejo canta tu historia, se
escucha una lira,
la voz del viento tañe las
casas y las colinas altas.
Tu
carne es hecha de sol y de olivos
dulcemente entretejidos en los primeros vinos,
dulcemente,
como Penélope, en blanda oscuridad
bordando
y desbordando las horas y los silencios.
¿Es
esa tu carne, de aguas y sirenas,
viejo
suave que con Neptuno entregaste en manos
del
viento las naves y las luces antiguas.
En
las playas de Tel Aviv te vi llegar, viejo mio,
en
dóciles melodías de espuma, como si las fueras de la noche el gemelo,
y
te vi en Hydra, aún muy distante, bajo la mirada clásica de los gatos
con
el egeo a confundirse en ti,
fraternales
aguas, fraternales animales, caballos libres
a cabalgue en cabalgue.
*
Hay que creer que vivimos tiempos de desorden.
Las noticias de las ocho nos alertaran sobre el asesino
que despedaza
mujeres por puro placer y nos contó sobre la bomba
que escarnificou treinta personas y destruyó
sus sueños y sus huesos --, pero a pocas personas le
interesó
por que no hay cosa más habitual que la muerte de los
demás,
y porque también había algo realmente realmente muy
importante,
casos que ocupaban por completo
toda el gran momento del horario noble, conversaciones de
imbéciles,
conversaciones de tontos de corbata, discursos de débiles
que los otros débiles alaban, casos donde el mundo
gira alrededor de uno que da tantas patadas a una pelota
y el mundo grita y el mundo aúlla y el mundo vibra y el
mundo aplaude.
Realmente vivimos un tiempo desordenado.
Un escritor no sabe si
hay dios-- y es condenado a
morirse
lentamente, vilmente, en esa larga sequedad que es la espera
de esa gris oscuridad que hay en el temor. En nombre de
dios, dicen, en nombre de dios o del pueblo o en otro
nombre.
En
su nombre se mata,
en
todos los nombres se mata, como de ayer,
y vagamente
nos
molestamos ya. En todos nombres se mata -- y si
dios
se preocupa, no sabemos, si dios se preocupa, no sabemos.
.
*
En la cama silencio. Todo está tranquilo.
Afuera, un coche pasa, rápido, pero su rumor
Por la noche iba ya perdido, en las avenidas
distantes.
O viejo puerto de Jaffa! O callejones y callejuelas!
Zohar y Offer
caminan conmigo las calles antiguas, las plazas, los
lugares.
¿Ricardo, que tenías el corazón de un león y el brazo de
los fuertes,
todavía para estos callejones te mueves, pecho altivo,
sin miedo, gritando amenazas y canciones de guerra?
¿Será
tu voz esa sirena de barco que en la
distancia si escuchó,
será
esa tu voz? ¿Esos pasos que resonaron
en
el lajeado y se han ido, eran los tuyos? ¿Casco antiguo de Jaffa, antiguo
pórtico
de
los mundos donde los valientes vinieron a cantar desafiando la muerte,
aún
en tus callejones velará cualquier fantasma
el
sueño de sus compañeros?
En
nombre de dios dieran muerte, en nombre de dios
se murieran.
¿Que
dios, diosa, que dios ha querido así la muerte de
sus
hijos? ¿ Que dios, o misericordiosos, quiere
en todavía
la
muerte insculpida en su nombre?
¡O
divinas misericordiosas entidades! O santas figuras,
admirables deidades! ¡O ninfas, falúas y naves
del
cielo, visiones de blancas velas:
que
nombre es ese lo tuyo, que tanto dolor contiene?
¿O
casco antiguo de Jaffa, es Saladino la sombra que pasó?
V
Una señora presumida escribió
dos versos
y le ha costado mucho encontrar
una rima.
Satisfecha,
los nombró poesía. Un hombre con una barba de seis
meses
sacó de si un panfleto en ira contra los vecinos
y
conocidos -- y también le nombró poesía.
Un
chaval cuyo padre tiene una editora elaboró un paquete épico,
relleno
de deidades mitológicas que se dormían,
con los lectores,
por
la noche. Su padre le editó la obra;
y la nombró poesía, por supuesto.
Vive
sola una anciana que hace encaje y fabrica rimas.
Un
tonto muestra las honrosas citas con los
otros
tontos distinguen a sus versos, por cientos.
Vive
feliz y quiere
Que
lo traten de poeta.
Ese
otro caballero serio, que era ministro, se decretó cansado de
finanzas
y de lo prepecptos. Pidió que le
trajeren papel, un montón de papel,
tres
lápiz buenos y algunas ideas que tuviesen filosofía.
Compuso
dos rimas en trillizos y se quedó agotado: había hecho
poesía.
O
Petrarca, manso adorador de la belleza, como en tu tronco
se
albergan tantas inexistencias!...
A
la sombra de la memoria el tren sigue, a través de la nieve.
¿Sueños,
ideas, recuerdos? Confusión. Humo, gemidos de metal,
confusión.
Es tarde. Está frío. ¿Es Haifa, que desde la cuesta veo
confundiendo
el calor y el hielo? ¿Es esa nieve el
verde mar
alrededor
de la ciudad cerca los pies de las colinas? ¿Roma? ¿Las ramblas viejas?
¿
Barcelona sobria, donde las piedras son elegantes
y
vívidos los recuerdos?
La
somnolencia suspende el tiempo, trae los muertos añorados,
nostalgia,
abril y marzo, las tardes antiguas en las que
había
paz y la familia toda se sentaba en la mesa para la cena.
En esa Navidad de 1981 no más éramos cinco,
no
éramos ya cinco en la mesa, no ya cinco a la vida.
Los
bamboleos del tren embalan los
recuerdos,
Y
vamos despacio, despacito, casi inmóviles como dioses viejos
sobre
nosotros mismos flotando, como tú, mi viejo Ginsberg,
mi
padre espiritual, gran-capitán de la
poesía que
la
muerte segó ya,
tornando
realidad esa foto junto a la tumba de Kerouac,
Lowell,
Massachusetts, octubre de 1969, como tu
completamente
desnudo, tumbado en ese pequeño
compartimiento
del tren de Santa Fe, giant
train so slowly moved
a
man can touch the wheels, por encima de nosotros flotando
en
esta indescriptible melancolía.
¿Me
pagas una cerveza? Y pienso en nosotros, los vivos y los muertos.
¿Córdoba,
donde canta el rumor de las aguas entre los naranjos?
¿Gran
Palacio, donde Buda es más iluminado? ¿Milán bajo la lluvia?
Mi
vida es simple. Hice con ella un mapa de viajes cumplidas
y viajes por cumplir, y donde quiera que vaya
recuerdo mis amigo,
les
escribo, les remito noticias, frases cortas, bromas,
expresiones
sin sentido, palabras, diseños, novedades.
Recuerdo
a aquellos que se han muerto poco a poco, la niña que nunca
sabré
quién era y que se suicidó en el metro entre
Paddington
y Aldgate, para escapar, quien lo sabe,
de
un amor fallido,
de
una pasión trágica, de una virtud, de un secreto,
para
huir de si misma, tal vez, y pienso a Camilo muerto para que la vejez
no lo derrotara, y a Maiakovski que como
dijiste
se
suicidó para evitar Rusia, y Antero que también se
suicidó
para evitar Portugal y ese altivo ciego inmortal,
tan
rápido y sabio como los ángeles, quien cometió suicidio con palabras
geniales
en el día escribió que había una línea de
Verlaine
que ya no más recordaria y tenía una calle cerca
prohibida
a sus pasos y tenía un espejo que lo vio por
última
vez y había una puerta que el cerrara hasta el fin
del
mundo. Como a él, la muerte nos dilapida
sin
cesar. Y hay un silencio que pesa y abruma
y
un olor de nieve y l de penumbra
y
hay frío, y hay humo y hay gritos de metal y el sueño
a
entretejerse en cada palabra, en cada
gesto.
Caigan
sobre ti los pétalos y sobre nosotros la noche!
Cerca
de aquí, la cumbre toca el cielo... y persiste el frío.
VI
Nous
naviguons, ô mes divers amis, navegamos
este espiral de vientos y mareas, navegamos
como Mallarmé saludando a los suyos y como Ulises
perdido entre islas, nuestra Ítaca distante,
inaccesible, navegamos cada hora perdida, en
cada rincón donde
el tiempo nos espera y
nos roba aquellos
a quienes queremos más, los más grandes, los más
amados, los mejores de nosotros , quienes eran en todo
esplendentes,
agiles, volátiles como los ángeles, tan sensibles, tan
puros, tan amables.
En verdad, fuimos como fuimos
y no somos más. El sueño ha sido célere como el color del
día.
¿Donde el verano de otra época? Hizo de mi vida una
ruta interminable de ciudades y personas--y en la memoria
las cultivo y amo,
Berlín, Venecia, los amigos que se quedaron, los que se fueran,
Coimbra, Sevilla, mi dulce Sevilla, cuyas calles caminé
bajo esta felicidad grácil que vive en el aire andaluz,
Sevilla
cuyas noches he
tenido por plazas y márgenes, de Sevilla magnífica
que tiene el rostro de Maria Paz, su sonrisa dulce y
encantadora,
Gomecello, donde escribí este poema que tanto me encanta
pensando a Cristina
que me esperaba allá, en Lisboa, Bolonia, París,
Mujácar pequeño donde nos sentimos libres
y galantes, el viejo Macao,
Londres que tanto en mi se quedó,
un barco doliendo en los canales, un barco en el puerto
de Amsterdam,
Colonia, este misteriosa y encantadora Jerusalén.
Desde la cima del Monte de los Olivos, viendo la puesta
de sol:
Zohar me explica las casas, los signos del viento, la
historia de
las piedras, el alejado nombre de las cosas. Cae al
atardecer. Por la puerta
de Jaffa una figura pasa, anónima, misteriosa, camino de
la noche. Es sólo una figura, nada más que un figura, que
sigue
sus propios pasos en esa dirección desconocida que las murallas
altas marcan--y en el gris de los tiempos se quedará para
siempre
ahí, eterno,
perpetuo, desafiando a la inmovilidad y el movimiento,
siempre una figura, nada más que una figura que los
dioses
en su solemne criterio celebran e vigilan la pacífica
Longholmen,
Glasgow bajo un cielo pesado de las nubes, mano en la
mano
con Cristina voy suavemente deslizando las calles,
observando las
plazas, las iglesias,
los grandes escaparates en el bullicio de la tarde.
En el río alguien desapareció, lanzándose de uno de los
puentes.
Policías buscan el cuerpo, dragan las aguas, rondan por
las margines. También tú, desconocido suicida, también tu
quisiste disfrutar de esa última libertad --y en ese
torpe vuelo de
pájaro herido, en ese momento suspendido entre río y
cielo,
buscando la muerte
para evitar algo que sólo tu podías descifrar.
No
esperaste el designio de los tiempos, no
esperaste
el deseo que a los dioses si atribuye,
no
permitiste que la muerte, como a todos nosotros,
constantemente
te dilapidara. Que las aguas, si
quieres,
si
cierren sólo para ti y en ellas se si
recoja
y
resguarde tu cuerpo! Y hubo Akko, Madrid,
el
babilónico Hong Kong aturdido por los aviones,
que
los buques demandan y las montañas velán, Atenas y las islas,
Moguer
blanco donde te he visto y a tu Platero, mi
viejo
poeta, por encime de esa indefinible bruma que hay
en
la calurosa tarde de España, como se fueren uno, centauro
fantástico
que en la distancia va en paso vago,
por
todo esa Calle de San José
por
donde el malo viento negro pasó --y
también yo
oigo
Curros, más padre que poeta,
preguntando
a la mariposa de Galicia por su bebé muerto,
volvoreta d ' alinãs doradas…, y por ese
cielo
donde
Platero trota para toda la Eternidad,
Vigo,
la fría noche en Lubeck, entre los sin hogar,
el
café caliente, la cerveza, todas esas
voces y palabras que
son
calidez y consuelo entre la silueta silenciosa
y amplia
de
los trenes, Toledo por la tarde cuando el sol se holgaba
en
los tejados, Aswan, las aguas
altas,
Interlaken y todos ya en la memoria si me
confunden
en calles y fechas, y personas que marchan
precipitadamente
avenidas y puentes, en soñolientos buques, New Haven,
Dieppe,
el muelle donde el mar se calma dormido de vientos,
Urs
y Antoinette,
Río
en tardados aeropuertos, carreteras y casas,
Dublín
agitada tan apresuradamente recorrida,
la
verde y suave Edinburgh. ¿Cuántas puertas, cuántos peldaños!
En
la Royal Mile, en uno de esos oscuros callejones donde nos miran
las
casas y árboles hasta Princess Garden: es por la noche y
festivamente
cambiamos canciones y cervezas. Dentro de
un
año volveré, les decía, espero volver a encontrarles,
decía,
y las luces tropezosamente encendían las esquinas de
las
calles, el Jolly Judge, los pasajes bajo los puentes, los patios y las estatuas
que
guardaban ese gran misterio que habita el silencio.
Edimburgo
en cuyas colinas vagué, cansado y feliz,
pedaleando
en mi bicicleta,
vendo
a los turistas que se apresuran, las fiestas, el movimiento
ruidoso.
Frederick Edwin Church, que esas tuyas
aguas
perpetuas sigan corriendo para siempre! Que
en
ese inmóvil gesto raro en qué sobre nosotros se despeñan ,
todavía
haya el leve sonido de un arco iris a visitarnos
la
memoria. ¿Y Geneve, y Tuy, y ese calor inalcanzable
en
Kata, esa inmensa e súbita puesta del sol en Lago Nakuru.?
¿Dónde
están? ¿En que insólitos salones del tiempo se fueron perdidos?
¿En
que colinas distantes si apartaran de nosotros, que de repente
miré
hacia atrás y no los veo? ¿Granada y las procesiones y los
poemas
y mi Gin que la luna celebró?
Vicenza,
tan serena y clásica. Ditza y João Miguel
a refugiarse
de la lluvia bajo un paraguas amarillo, la casa del vino,
un
leve rumor gris de finales de invierno
y
el reflejo de las luces en la acera.
Nous naviguons,
ô mes divers amis!
VII
Piraeus viejo y dulce donde
corre el viento.
Mira como tus velas ya sobre el mar se agrandan
como si recuerdos fuesen. Y
nada más de ellas sabemos, o a que
destino van, a que destino han
ido, en que rumbos
se dejaran pairar perdiendo los días. ¿Porque te recuerdo,
ahora que estoy en sueño lento,
escuchando
esta monótona canción, este cántico
hipnótico que
el tren compone en los raíles? El espíritu sube
a la vastísima dimensión de la luz, todo es color y el blanco
cobija los ojos pesados de
memoria.
¿Dónde estoy? Una estación.
¿Paderborn? Ahí entonces
busqué a Danielle, la hija de
un sirio. La había conocido
unos meses antes. Era
inteligente, perspicaz, amable.
Su piel era de un tono encantador,
a el cual
la luz del fuego concedía más encanto. ¿Waeverly?
¿Dortmund? Me acuerdo de
Dagmar. Pasan mujeres protegidas del frío
en gruesos abrigos de lana. El
viento es tajante, la
lluvita casi inadvertida. El invierno ha dejado su
huella
en todos nosotros.
¿Salamanca?
¿Quiénes son estas tierras, que
fados, que tanto
entre las vías de hierro
misteriosamente convergen? Pocos son
los secretos que el alma
verdaderamente guardia, pocos
son ya los misterios, ninguna frontera. Toda la tierra
se reduce a un largo camino de
hierro, a un gran
punto que las locomotoras buscan
en la oscuridad, una
ruta que los raíles asignan,
inexorables. La mirada se pierde
en el horizonte. El sueño es
más fuerte, la noche nos gana.
¿Quien nos cuidará cuando la oscuridad eclipsar
las llanuras? ¿Plaza de
Catalunya? Cada sacudida un
estremecimiento, un nombre que
viene, un recuerdo, una
breve incertidumbre. Los
fantasmas tienen rostro y están sentados
al lado de nosotros, gentiles,
suaves, galantes, atentos a nuestro
sueño. ¿ Nos cuidaran, ellos, cuando la noche aterrize en nosotros su puño
frío?
¿Wood Green? Mira cómo van los
caballos, estas
palmeras ágiles tocadas por el
viento, sus crines,
sus largos meses, el horizonte
donde cada barco
expone los árboles viejos, el índigo crudo de los días, la ceniza acre de las calles
--y como yo, que las he
travesado a evitar Portugal,
me pienso cada vez más portugués!
VIII
Desde este vigésimo tercer
piso, mirando
la inmensidad del Parque
Central.
Las torres vigílan en medio de la niebla débil, y oh
God -- cómo incluso sin saberlo --, I
had forgotten how the Hudson burns in indian autumn.
(hace años ya no leía Ferlinghtti...).
Mira la alta chimenea de un
alto rascacielos. Expulsa un humo
gris, oscuro, las sombras recuerdan
al Spirit, este extraño
enmascarado que se movía en la
penumbra de los edificios y
callejones, viviendo el ocaso en
las manzanas decadentes donde
la luz vagamente vigila la oscuridad,
y los entes se mueven
en infinita inexactitud.
Batman, Clark Kent, ¿dónde están?
¿En que oscuridad, en que calleja
vosotros sucumbiste a manos del sueño
americano? In
God we trust, si Dios es--y seguramente
es -- americano.
América se mueve, las ciudades se mueven, el sueño
se mueve,
los héroes mueren, los recuerdos son perdidos. El
sueño americano
duerme se bajo el frio, fuera, en el adro e de una iglesia de la calle 57, va apenado,
doblegado al carro lleno de basura inservible
que un viejo vagabundo sin cobijo empuja a través de
las calles,
sin rumbo cierto. ¿ In
God we trust? God duerme a la intemperie,
como muchos otros, bajo el portal de la Fith Avenue Presbiterian Church.
Dios pasó descalzo en los senderos del Central Park,
seguido por bandadas de ángeles en patines en línea
e pantalones Nike.
Un árbol otorga al viento
sus cánticos, las hojas gimen , sus veloces crines
se separan en las siete direcciones de la tierra, un
veterano cansado
duerme el tiempo pasado bamboleándole en sus
brazos fríos debajo de un toldo. Un árbol
otorga al
viento este vasto fuego que el Hudson trae
al otoño indio. Please,
man, have you got some spare change?
*
Por
toda la 9ªAvenida: la feria inmensa ha traído
a
gente de toda la ciudad, los judíos se cruzan con los árabes y los griegos
gritan
gyros, y se notan chinos
que
dejarán por ahora Chinatown y negros pesados, y indios
viejos
con amplios turbantes que oscilan mientras caminan sobrepasando
la
multitud compacta. Jambalaya. French toast. Sushi.
Oigo
los sonidos, la música, los gritos.
Más
allá del cristal la mirada logra apercibirse de esta gran
mancha
oscura que se instala en el corazón de la ciudad,
el
canto de neón sobre la noche abierta por
venas
profundas, taxis que las recorren
como
pájaros locos, pegasus muerto, dedos
apuntando hacia el cielo,
las
sirenas que son blancos ríos, lagunas en la memoria. ¿Union Square?
Una
nueva sacudida y el tren sigue congregando los
sonidos
y las figuras. ¿Andreas Eigensatz, el constructor de guitarras y esa
noche
encantadora en Berna, entre vecinos,
saboreando
el queso fundido y los sueños?
¿Laurie
Anderson, repetidamente haciendo
navegar
en nosotros O Superman?
¿Todavía
hay nieve? ¿Hay nieve, afuera?
O infinita
Nueva York, manzana vieja
que
los vientos azotan. Cuando de repente cae
la
tormenta, las calles mojadas proclaman las luces y las colores y
los
sonidos; y en la tierra entera se oye el vasto silencio de la lluvia.
Pasa
un avión. ¿ Podrá ser ese dios que Blake ha oído,
ese dios que again speaks in thunder and in fire?
¿O
ese ángel azul de Klee, o un tabernáculo roto,
un séptimo sello quebrado, la voz de los
caballeros, el paraíso
y
la tierra? ¿O un día llegando a su fin, una vida que
se
acaba, un ser que se termina? ¿Una candelilla derretida que tiembla la última
luz? Un sonido. Alguien cerró con
fuerza la puerta en el Hogar de los Valientes. O ¿es sólo el tren, el tieso
tren, el cansado
y
paciente tren que arrastra sueños y recuerdos
por
la ladera fría? ¿O es que no más es que el humo que tenuemente
adorna
el horizonte y lentamente desvaneciese para siempre?
Un
viejo y sus gatos enseñan la alta belleza que hay
en
la paz, nos enseña a amar el silencio y la voz del viento.
En
las montañas de Wengen fuimos
completamente felices,
1997
Olhão, 2 de Abril -- Nova York, 19 de Maio
Fernando Cabrita. El sermón de la montaña. Ed. Baile del Sol, 2015
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