documentos de pensamiento radical

documentos de pensamiento radical

martes, 24 de mayo de 2022

5 poemas de FERNANDO CABRITA



TUDO PODERIA SER O AMOR, POIS NÃO SABEREMOS


Um pôr do sol, às vezes,

um velho silêncio de águias e segredos,

rios que se cruzam sem saber porquê, e seguem

o seu destino que não questionam, ou

um passeio nas margens

de mãos dadas.

Tudo poderia ser o amor, pois não saberemos nunca

dizê-lo por palavras.

Uma orquídea de fogo encerra o horizonte.

Outra orquídea de árdua sépia celebra o dia que se vai.



***

 

 

RECORDO-TE



Recordo-te e recordo-me amando-te.

O teu corpo é o meu templo,

eu adorador e deus menor,

templo que todas as aves visitam à hora sublime em que sorris.

Vejo-te

e vejo a beleza clássica desse teu olhar de deusa e de menina.

Vejo-te e sou feliz.

Essa é a minha única religião

e a minha única verdade;

E sou apenas verdade quando tu me olhas,

e sou apenas verdade nos teus olhos,

na luz clara dos teus olhos.

Lá fora a noite é fresca e a lua bate à porta de todas as madrugadas.

Vemos a sua luz entrecortada em nós.

Beijo-te.

Amo-te, nessa translúcida alegria.

E deixo de ser eu, mesmo o dos teus olhos que só eu sou.

E sinto-te como se fossemos um só,

uma só alma de um só corpo de confundida pele,

de confundidos lábios à flor das horas.

E sei que és tu a minha pátria.

A pátria que sempre procurei.


 

***

 

 

EU QUE JAMAIS



Eu que jamais soube amar que não dessa forma estranha,

misto de desejar sempre o que se não tem,

e que nunca soube ver o amor nos olhos que me olharam

de janelas altas e luas invisíveis,

eu que não soube como nos desvanece o tempo e no entanto cantei,

sentindo-o,

o fosso agreste que cada hora abre em nós ao decorrer,

dor fria de amantes perdidos

em casas e segredos e anjos,

eu que fui frio e pobre de risos e de beijos,

frio de gestos e carinho

e me afundei nas montanhas vagas da desilusão,

eu o triste sem tristeza,

o silencioso das palavras várias,

o que não teve os sentimentos certos quando os havia que ter,

peço-te agora que me deixes morar nos teus lábios

sentar-me no sacrário amorável do teu coração,

e que me recebas nos teus braços, e me envolvas na tua voz

e preenchas toda essa grande desabitação da minha vida

e que te ergas entre cometas de anil

na placidez suave das tardes

como uma deusa pisando as nuvens distraída

e calcorreando as horas paradas do Infinito

e os largos caminhos da eternidade,

e que venhas entre gerânios e âncoras,

por esquinas e pombas,

por brilhos e orquídeas,

que venhas como a deusa antiga que és

e sempre foste,

em grinaldas e orquestras de ventos largos,

dando cintilações às sombras

e murmúrios aos crepúsculos,

tu vazia de medos e ruínas, 

 

tu princesa de versos sempre declamados,

tu aquário das esperanças que vogam como luas,

tu antiga e pura,

tu gesta de heróis e amores de outrora,

tu planalto,

tu pedra sagrada,

tu nome indizível,

lais de guia das nossas almas mortas,

nenúfar de espanto no cume dos céus,

opala de poemas breves,

cântico de anjos iluminados,

mármore de Fídias dardejando o sol,

tu mulher e espírito sobre as águas,

que venhas em sossego e glória,

festa e canção de fadas,

lírio de luz macia,

que venhas e prodigiosa caminhes,

luminosa caminhes,

altiva caminhes

passo a passo

espelho a espelho

verso a verso,

e me olhes

com esse olhar que é só teu

e que sempre me via dessas casas altas,

e sobre estrelas e columbinas paires

em mistério e beleza

e quando a noite se inclinar sobre nós te encostes

ao meu ouvido,

ao meu cansado rosto,

à minha fatigada memória de todas as coisas

e me sussurres

--aqui estou! –

e te sentes a meu lado enquanto chova.

 

***

 

 


Célere como o diamante antigo dos dias, a 

hora passou, essa hora em que fomos como água, tu e eu.

Como água mansamente, água e corpo e 

mármore das tardes velhas.

E como o diamante antigo, como o antigo 

sentido das coisas, como a voz antiga que ainda dentro de 

nós acode, amo-te.

 

***

 

 

ERA O TEMPO



Como um barco fomos, sobre a água em larga correria.

Qual um potro fomos, livres à plena desfilada.

Vivemos os sonhos entre prados e jardins que já morreram.

Ouvimos em silêncio a voz das invernias, cantando os promontórios.

O Outono trazia as liturgias sacras das vagas e dos suestes,

as tempestades em que ecoavam as lendas e as coisas passadas,

essas coisas delidas pelo tempo.

Era o tempo em que havia o teu amor e o meu. Era o tempo que foi

nosso – e como um barco fomos em larga correria.




Fernando Cabrita. Quarenta poemas. Catita & Compania. 2012

No hay comentarios:

Publicar un comentario