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viernes, 14 de enero de 2022

4 poemas de Contigo trouxeste de mar um violino de Carlos D'Abreu

 



 

Assomei-me à porta da noite

para ver do tempo a janela

como sugeria o teu holograma

que avistei para os lados de castela

 

chuva não pressentia

apenas no céu tremulante

candentes estrelas via

 

procurei então a lua

para a questionar

mas ocultou-se ela

do meu taciturno olhar

 

o que vi foi um espectro

bilifulvinoso que ficou

sobre as horas a pairar



*

 

Não te equivoques

quando el@s dizem

gostar dos teus versos

 

porque o poema não és tu

 

 

*

 

 

 

os versos com que me alimentaste

continuo a senti-los todos meus

 

os odores com que me impregnaste

continuo a consenti-los sobre mim

 

e os frêmitos todos que me provocaste

desbordam agora duma alma desmesurada

que voluntariamente me prende

a um único poema:

 

MORENA

 

 

“Não negues, confessa

Que tens certa pena

Que as mais raparigas

Te chamem morena.”

 

Guerra Junqueiro, “Morena”, in A Musa em Férias

 

*


 

Páro-te:

escuto e olho

 

vejo para te olhar

e ouço para te escutar

 

olho e escuto

quando és tu

porque sempre hás

em tudo

o que vejo e ouço

 

vejo a vida

viva

colorindo-se

ao ouvir

os sons dos teus passos

 

olho os teus olhos

por neles escutar

a pureza do teu olhar

 

com prazer a vista olha

para o que vê

quando é teu

o rosto que passa

 

com gosto a audição

apuro a escutar

o que afinal

sempre ouço

cada vez que no poema

há canto de ti

 

é aí

onde até a suave

brisa da tarde enxergo

e a alegre luz

do teu olhar

meus ouvidos captam

e registam

por antever

na voz carinho

e sempre haver

no rosto afecto

 

 

“Por isso a escuta é a espera vazia

aberta ao tempo e à possibilidade

de uma palavra livre mas fiel à

simplicidade nova de um começo.”

 

António Ramos Rosa, “A relação do ser e do horizonte é circular”, in Uma prenda para Eugénio com algumas túlipas

 

*



 Carlos D'Abreu. Contigo trouxeste de mar um violino. Ed. Carava Ibérica, 2021

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